Arquivo: entrevista ‘O Grito’ 2009

Entrevista publicada no site O Grito!
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Entrevista: Stela Campos
11.mai.2009
Stela Campos (Foto: Júlio Bittencourt/ Divulgação)

ÍCONE INDIE REDESCOBERTO
Por Gabriel Gurman

Não. Se você não conhece o tra­ba­lho de Stela Campos, não a ima­gine como mais uma des­tas can­to­ras bra­si­lei­ras da nova onda da MPB. Aliás, para­do­xal­mente a este even­tual pre­jul­ga­mento, não há melhor adje­tivo para acompanhá-la, senão roqueira. “Eu gosto de baru­lho!”, deixa claro esta pau­lis­tana que acaba de tirar do forno seu último álbum, Mustang Bar. Na ver­dade, seria injusto chamá-la ape­nas de roqueira. A incor­po­ra­ção de diver­sos ele­men­tos, influên­cias e ins­pi­ra­ções de seu som repre­sen­tam per­fei­ta­mente a tra­je­tó­ria de Stela. Além de sua car­reira solo, a artista já par­ti­ci­pou das ban­das Lara Hanouska, Funziona Sensa Vapore, além de ter morado seis anos no Recife, onde teve a opor­tu­ni­dade de pre­sen­ciar (e inte­ra­gir) com o sur­gi­mento do movi­mento man­gue­beat. Confira abaixo a entre­vista que a Revista O Grito! rea­li­zou com Stela.

BOM, PARA COMEÇAR, CONTE UM POUCO SOBRE SUA CARREIRA, PARA AQUELES QUE NÃO A CONHECEM…
Sou pau­lista, com­po­si­tora, toco teclado, gui­tarra e vio­lão, o sufi­ci­ente para criar músi­cas e fazer os seus arran­jos. Minha pri­meira banda de rock foi o Lara Hanouska, nos anos 90. Comecei a car­reira solo em 1999 com o disco Céu de Brigadeiro, depois vie­ram Fim de Semana e Hotel Continental. Agora estou lan­çando o Mustang Bar. Morei seis anos em Recife, no iní­cio do movi­mento man­gue­beat e aca­bei tocando com muita gente da cidade, como o Chico Science, Devotos, Eddie etc. Além disso, par­ti­ci­pei tam­bém de uma banda cha­mada Funziona Sensa Vapore, com os ex-integrantes de uma banda pau­lista chamda Fellini (grupo bem cult dos anos 80), onde gra­vei um disco com tam­bém, do qual Chico Science e Nação Zumbi gra­va­ram a música “Criança de Domingo”, que está no Afrociberdelia. Na ver­dade, fui eu que fiz essa ponte entre o Chico e o que havia do Funziona na época, que, no caso, era ape­nas uma fita cas­sete que rodava de mão em mão em Recife. Chico e o pes­soal da Nação eram fãs do Fellini e, quando fui para Recife, em 1994, che­ga­mos a fazer um show jun­tos tocando só as músi­cas do Fellini e do Funziona.

QUERIA QUE VOCÊ CONTASSE UM POUCO SOBRE A IMPORTÂNCIA DO CHICO, DA CENA RECIFENSE, ENFIM, DA PRESENÇA DO RECIFE, NA SUA CARREIRA, OU MESMO NA SUA VIDA.
Quando fui para Recife, no dia 1º de janeiro de 1994, levei meu teclado no porta-malas e a ideia era tirar umas férias e apro­vei­tar para com­por algu­mas músi­cas olhando pro mar. Claro que isso não acon­te­ceu. A cidade vivia um momento de efer­ves­cên­cia cul­tu­ral, tinham mui­tos shows, os fes­ti­vais de música esta­vam come­çando… Era muito legal o que estava acon­te­cendo. O Chico Science ainda nem tinha lan­çado o pri­meiro disco. Lembro da pri­meira vez que vi o show dele, em um fes­ti­val que nem se cha­mava Abril Pro Rock ainda e fiquei muito impressionada.

Fui para Recife com a inten­ção de ficar uns dois meses, mas logo vie­ram con­vi­tes para tocar com várias ban­das e aca­bei ficando. Quando me dei conta, já estava há uns cinco meses. Foi aí que decidi remon­tar o Lara Hanouska na cidade e ficar morando lá mesmo. Também apre­sen­tava de um pro­grama de rádio, o Mangue Beat, com DJ Dolores, Renato L e Clarice Hoffman. Era bem legal, tocava de tudo. A gente rece­bia fitas gra­va­das por ami­gos de várias par­tes do mundo. Uma coisa que me cha­mava aten­ção em Recife é que as pes­soas eram muito bem infor­ma­das musi­cal­mente. Acho que o fato do acesso às infor­ma­ções ser mais difí­cil que em São Paulo, fazia com que as pes­soas fos­sem mais pró-ativas na horas de des­co­brir novos sons. Aprendi muito musi­cal­mente e abri minha cabeça para outros tipos de sons. Embora a minha banda não tivesse dire­ta­mente nenhuma influên­cia da música regi­o­nal e fosse mais indie-rock mesmo, trouxe alguns ele­men­tos para os meus dis­cos, como a par­ti­ci­pa­ção do Nido do Acordeon em Céu de Brigadeiro, tocando coi­sas que ele nunca tinha feito antes, e que aca­bou com­bi­nando, dando um toque especial.

Tenho recor­da­ções muito legais da época que vivi em Recife. Muita festa no Francis Drinks, bar do Grego, shows lisér­gi­cos, conha­que Dreher à beira do Capibaribe, Soparia, Teppan… Além disso, casei com um per­nam­bu­cano que é meu par­ceiro musi­cal, o Luciano Buarque. Voltei algu­mas vezes à cidade por causa da famí­lia, com o nosso filho, hoje com 4 anos, mas sinto falta de tocar em Recife. Acho que a última vez que toquei foi em 2001. As pes­soas me cobram um pouco isso e eu gos­ta­ria de ir, basta sur­gir uma oportunidade.

MUSTANG BAR, NOME DE SEU NOVO DISCO, É UM BAR DO RECIFE, CERTO? ESTA HOMENAGEM É UMA FORMA DE MOSTRAR QUE A CIDADE AINDA ESTÁ, DE CERTA FORMA, INCORPORADA A SUA MÚSICA OU A VOCÊ, COMO ARTISTA?
Claro, a época que pas­sei em Recife foi de grande ins­pi­ra­ção musi­cal. A música “Mustang Bar” é do Luciano, que é um reci­fense, grande cro­nista dos tipos sujos que se per­dem pela noite. Ela reflete um pouco esse espírito.

Era muito legal o que estava acon­te­cendo (no Recife dos anos 1990). O Chico Science ainda nem tinha lan­çado o pri­meiro disco. O vi em um fes­ti­val que nem se cha­mava Abril Pro Rock ainda. Fiquei muito impressionada

JÁ QUE VOCÊ COMENTOU DA LETRA DA MÚSICA, OUVINDO O DISCO, ELE PARECE BASTANTE INTERLIGADO, NÃO APENAS NA HARMONIA, MAS NAS LETRAS, QUE CONTEM ALGUNS PERSONAGENS PRESENTES EM MAIS DE UMA MÚSICA. VOCÊ CONSIDERA-O UM ÁLBUM CONCEITUAL? É BASEADO EM ALGUMA HISTÓRIA REAL SOBRE ESSES SUJEITOS SUJOS QUE SE PERDEM PELA NOITE?
A ideia ini­cial era fazer um disco con­cei­tual, como Fim de Semana, mas depois, pela pró­pria sono­ri­dade mais “gara­geira” do disco, pri­o­ri­za­mos a sono­ri­dade e os ver­sos mais cur­tos. Os per­so­na­gens aca­ba­ram se entre­la­çando por­que nossa ideia era falar sobre os tipos inso­nes da noite. O cara que só faz bes­teira e tem que vol­tar para casa onde a Laura espera ele com uma arma na mão: a Lígia Hello Kitty, que só quer uma chance de reco­me­çar a vida , uma página em branco, Tem a 1/2 Maria, arras­tando pelo cor­re­dor depois de uma noite daque­las, tem a res­saca imensa puxada pelo trem fan­tasma e tem a Laura Duvall que nin­guém espera na porta do Mustang Bar e que pre­cisa esque­cer o trem fan­tasma , que fecha o disco. Mas tem outras coi­sas, como “Le Capitaine” e “Scaramanga”, que são de outras ori­gens. “Scaramanga” é ins­pi­rada no vilão de três mami­los do filme “Homem da Pistola de Ouro”, “Brand New Robots” ins­pi­rada no “Eu, Minha Mulher e Minhas Cópias” e a “Mustang Bar”, que des­fila os tipo mais estra­nhos que cos­tu­mam fre­quen­tar bares como o próprio.

DO JEITO QUE VOCÊ ESTÁ CONTANDO, ME PARECE QUE TUDO QUE A RODEIA PODE SE TRANSFORMAR EM UMA IDEIA PARA UMA MÚSICA, UMA LETRA, UM CONCEITO. ESTOU CERTO? TUDO É REFERÊNCIA?
Certo, mas o meu pro­cesso de cri­a­ção, junto com o Luciano, é muito lento, pode­mos demo­rar anos até fechar uma música. Ideias eu tenho muito rápido, sou capaz de inven­tar umas cinco ou seis músi­cas de uma tacada, sem letra, mas é aí que começa o tra­ba­lho. Somos muito cri­te­ri­o­sos com o que vamos fina­li­zar, o que vai para um disco, por exem­plo. O Luciano tem feito mais as letras e, even­tu­al­mente, músi­cas tam­bém. Tanto eu como ele somos muito auto­crí­ti­cos e, se um não gosta do que o outro fez, pro­va­vel­mente vai pro lixo (risos). Este disco foi matu­rado em quase qua­tro anos — é muito tempo -, mas gra­vado em duas sema­nas. Quando vou para o estú­dio, levo uma pré-produção quase pronta, mas sabendo, prin­ci­pal­mente, exa­ta­mente o que quero em cada música.

Céu de Brigadeiro (1999), Fim de Semana (2002) e Hotel Continental (2005) lan­ça­dos pela Outros Discos

E VALEU A PENA ESPERAR ESTES 4 ANOS PARA DAR LUZ AO DISCO? ALIÁS, A MAIORIA DOS ARTISTAS CONSIDERAM O ÚLTIMO DISCO COMO O MELHOR DE SUAS CARREIRAS. VOCÊ ACHA ISSO DE MUSTANG BAR?
Com cer­teza! Digo que é o disco onde o resul­tado ficou muito pró­ximo do que eu real­mente que­ria fazer. Mas gos­tos dos outros álbuns tam­bém… Faltava na minha dis­co­gra­fia um disco que mos­trasse este meu lado mais roqueiro, mais pró­ximo do que já rolava nos shows. Ele tem bate­ria, gui­tar­ras estri­den­tes, fuzzz e casi­o­tone. A tônica é a psi­co­de­lia ses­sen­tista, o folk, kraut rock, pop fran­cês, etc.

PARA QUE TIPO DE PESSOA VOCÊ ACHA QUE SUA MUSICA É FEITA?
Para gente que gosta de música, sem pre­con­cei­tos. Porque eu sou assim, uma pes­soa que gosto de mui­tas coi­sas diferentes.

E ESSA SITUAÇÃO GERA ATÉ MESMO SITUAÇÕES INUSITADAS, NÃO? OUTRO DIA VOCÊ TOCOU NO INFERNO, UMA CASA UNDERGROUND PAULISTANA ESSENCIALMENTE ROQUEIRA, EM UM MINI-FESTIVAL CHAMADO BAILÃO FOLK, COM UM SOM QUE É UMA MISTURA MUITAS COISAS…
O show é bem rock mesmo, muito noise, duas gui­tar­ras e folk tam­bém, com­bi­nou. Tipo uma parede sonora hip­nó­tica levando as músi­cas. Eu gosto de baru­lho (risos)! Quer dizer, desde que bem feito, claro.

VOCÊ ACHA QUE SUA MÚSICA SE PERSONIFICA EM VOCÊ?
Eu acho que sou uma pes­soa bem comum, como os per­so­na­gens que canto. Não acre­dito na gla­mou­ri­za­ção dos artis­tas. Falo de gente que tem pro­ble­mas coti­di­a­nos, sim­ples e pro­fun­dos ao mesmo tempo. Eu tra­ba­lho, pago con­tas, sou mãe, toco numa banda. O coti­di­ano está sem­pre pre­sente no meu tra­ba­lho. A opres­são de viver para a empresa, per­der parte do dia no trân­sito, acor­dar ente­di­ado. Mas tem tam­bém a diver­são com os ami­gos “was­ting my time”. Playing the piano, don’t play the piano!

Com qua­tro dis­cos, uma bio­gra­fia grande e uma banda legal, cer­ta­mente eu pode­ria viver de música se fosse americana

MAS ENTÃO SEU LADO ARTISTA FUNCIONA COMO UM RESPIRO PARA ESSE COTIDIANO ENTEDIANTE E NÃO COMO UM TRABALHO?
As duas coi­sas. É um res­piro, mas me dá muito tra­ba­lho. Como eu te expli­quei, tra­ba­lho muito em cima das músi­cas, dos arran­jos, as coi­sas não ficam pron­tas num passe de mágica, tem muito suor nisso. A dife­rença é que esse é um tra­ba­lho extre­ma­mente pra­ze­roso. Adoro e não vive­ria sem ele. Fora que ele tam­bém me ajuda a levar o outro tra­ba­lho adi­ante, o que paga as con­tas (risos).

É FRUSTRANTE SER PRATICAMENTE IMPOSSÍVEL VIVER DE MÚSICA NO BRASIL?
É, mas é o preço de se tocar o que gosta. A inde­pen­dên­cia nas ideias musi­cais é impor­tante, mas pode­ría­mos ter um cir­cuito alter­na­tivo melhor estru­tu­rado, que per­mi­tisse a artis­tas como eu sobre­vi­ve­rem de música. Em outros paí­ses é muito dife­rente. Com qua­tro dis­cos, uma bio­gra­fia grande e uma banda legal, cer­ta­mente eu pode­ria viver de música se fosse ame­ri­cana, por exem­plo.

Stela Campos (Foto: Júlio Bittencourt/ Divulgação)

ALIÁS, O SEU RELEASE DO MYSPACE É ESCRITO EM INGLÊS. VOCÊ TEM ESSA VONTADE DE TENTAR UMA CARREIRA FORA DO BRASIL?
Não creio que pode­ria fazer isso neste momento da minha vida, mas meus dis­cos tem um boa acei­ta­ção no e-music e no all­mu­sic guide. Já dei entre­vis­tas para gente da Bélgica, Portugal, e alguns pro­gra­mas de rádio no Japão já toca­ram um disco inteiro. Sei lá, o mundo está muito inter­li­gado pela rede. O rele­ase inglês é só uma forma de ser com­pre­en­dido por todo mundo, mas no começo era tudo em inglês no MySpace, por isso ficou assim, não foi algo tão pensado.

VOCÊ ACHA QUE O SEU SOM TEM UMA MAIOR ACEITAÇÃO OU, PELO MENOS, COMPREENSÃO, LÁ FORA DO QUE AQUI?
Acho que as pes­soas ouvem lá fora sem qual­quer tipo de pre­con­ceito. Elas não tem influên­cia nenhuma quando escu­tam o disco, elas gos­tam e pronto. Não ouvi­ram nin­guém falar sobre, não leram no jor­nal, nada. Ouvem ape­nas a música. Nesse sen­tido, acho muito legal quando as pes­soas ouvem meu tra­ba­lho em outros luga­res do mundo. O fato de eu assi­nar o meu tra­ba­lho como Stela Campos, nome e sobre­nome, faz com que muita gente ima­gine que se trata se mais uma can­tora bra­si­leira nos mol­des mais tra­di­ci­o­nais e cha­tos. Isso cria um certo tipo de pre­con­ceito para quem nunca ouviu. Mas acho que quem ouve per­cebe logo que se trata de outra coisa.

ACHO QUE AQUI ROLA UM POUCO DE PREGUIÇA. OU SEJA, NÃO APENAS SUA ASSINATURA COMO STELA CAMPOS, MAS O FATO DE O SEU SOM NÃO SER DEFINIDO FACILMENTE, EXIGINDO UM CERTO TEMPO E ATENÇÃO QUE AS PESSOAS NÃO TÊM USUALMENTE. VOCÊ ENXERGA ISSO TAMBÉM?
Talvez. De fato, é difí­cil defi­nir o que eu faço, mas eu me divirto com isso. Até na pra­te­leira das lojas eles tem pro­ble­mas. O Mustang Bar vai ser mais fácil, vai para a pra­te­leira de rock… Acredito. As pes­soas que­rem ouvir coi­sas muito pre­sas a fór­mu­las fecha­das. Os artis­tas que eu mais admiro são jus­ta­mente aque­les que con­se­guem tran­si­tar den­tro de várias pos­si­bi­li­da­des sono­ras. Acho muito careta seguir um padrão para indie rock, folk ou qual­quer outra coisa.

Stela Campos (Foto: Júlio Bittencourt/ Divulgação)

JÁ QUE VOCÊ FALOU DO SEUS GOSTOS, ENTÃO, PARA FECHAR, QUERIA SABER, UM DISCO, UM FILME E UM LIVRO QUE VOCÊ OUVIU/VIU/LEU ULTIMAMENTE E RECOMENDA.
Disco que está no meu carro hoje: Vintage Violence do John Cale. Filme que vi recen­te­mente, Wall-E, com meu filho e o livro de cabe­ceira da semana é Crime e Castigo do Dostoiévski.

BOM, ACHO QUE É ISSO! ALGUMA MENSAGEM, DECLARAÇÃO, PEDIDO, COMUNICADO, OU ÚLTIMAS PALAVRAS? FIQUE A VONTADE!
Uma coisa que não falei foi sobre a banda, for­mada pelo Clayton Martin, (cida­dão Instigado), Missionário José, André Édipo e Vini Pardinho. O Clayton é o gui­tar hero que me aju­dou a pro­du­zir o disco junto com o Missionário José nos dias mais frios de São Paulo à base de muito cho­co­late e conha­que… E, de resto, lem­bran­ças aos ami­gos! Ouçam o Mustang Bar… Valeu!

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